sábado, 19 de novembro de 2011

CUIDADO COM OS CÃES - ELES TE CONHECEM



Tenho duas cachorras (cadelas – canina mesmo) uma, Akita, chama Pitch e a outra, mais nova, é uma Rottweiller cujo nome é Maia. Maia está (hoje) com 50 dias de idade – é um filhote. Não sei cuidar muito bem e nem gosto de lidar com cães tipo: tocar neles, dar banho, brincar etc. Na verdade tenho uma grande rejeição. O caseiro faz isso muito bem e os meus cães são felizes e bem cuidados inclusive o gigante Bradok, que é da raça Fila. Do meu jeito eu gosto deles, ainda que mantendo uma distancia que me deixa confortável. Eles me respeitam, não me tocam, não me lambem, mas, ficam alegres quando chego e parecem saber que eu sou o dono. Maia, a mais novinha, recentemente, depois que o caseiro já havia deixado o trabalho, ficou presa na fenda de uma pedra no jardim, em um dia de chuva. Não sei por quanto tempo ela ficou presa, tomando chuva e sendo banhada pela enxurrada. Cheguei por volta das 20h00min, encontrei-a já quase sem forças e mal conseguia emitir algum som. Nem passou pela minha cabeça a rejeição que tenho por tocar em cães e impulsivamente retirei-a de onde estava, tomei nos braços e corri para a varanda. Liguei para a veterinária e ela orientou o que fazer – os cuidados incluíam um banho morno para retirar a lama, secar com uma toalha e depois aquecer um agasalho e colocar sobre seu corpo de preferência segurando-a no colo. Fiz tudo isso. Nunca pensei ser capaz desse contato. Nunca fiz isso antes. Ela ficou bem. Dia seguinte sentei no batente, entre a sala e a varanda e chamei Maia. Ela veio, sentou se na minha frente e olhou direto para mim. Olhou nos olhos! Direto nos meus olhos! Aquele olhar me prendeu por uns instantes. Parecia querer dizer alguma coisa. Inclinava a cabecinha pra direita e pra esquerda sem tirar os olhos dos meus. Comecei a ficar sem jeito. Havia alguém ali dentro, olhando através daqueles olhinhos negros, querendo falar comigo? Uma sensação estranha tipo timidez foi tomando conta de mim mas, não desviei o olhar. Veio uma pergunta em minha mente: quem está ai dentro me olhando? Enquanto perguntei em meus pensamentos ela se acomodou melhor, sem desviar o olhar, e de repente começou a brotar em minha mente uma incontrolável conversa que parecia estar vindo de fora de mim: do olhar de Maia. 


Tudo começou quando indaguei, em silencio, quem estaria ali me fitando daquele jeito. Em seguida veio outra pergunta quem está aqui olhando assim pra Maia? Quem é que está aqui dentro de mim ficando tímido diante do olhar firme de um filhote? E as perguntas foram chegando.... Quem sou eu? Quem seria eu se não tivesse que dar satisfação a ninguém: sociedade, família ou amigos? O que eu vestiria se não fossem as exigências da moda, da cultura e os reclamos sociais? Do que eu me alimentaria se não fossem a propaganda, as orientações dos meus pais, prescrição dos médicos e outros anônimos por aí? Onde eu moraria se pudesse escolher livremente e sem nenhuma interferência? O que eu faria pra ganhar a vida e me sustentar se eu mesmo pudesse decidir? Quanto de mim é propaganda da televisão, quanto vem dos discursos políticos, dos livros que já li, dos conselhos que me deram sem eu pedir, das obrigações sociais, religiosas e culturais e do o que os professores me ensinaram? Como me comportaria se não fosse o medo de errar e a vontade de agradar para obter algum respeito ou ganhar alguma caricia? Quem estaria comigo ou de quem eu gostaria se não desconfiasse tanto das pessoas por conta das decepções que vivenciei? E se não fossem as decepções, as pressões, os erros cometidos, as promoções, as metas impostas como seria eu? Quem é este que está se desmoronando aqui ante o olhar fixo dessa cadelinha inocente? Quem é esse animal que está colocando perguntas que eu nunca havia feito antes em minha mente? Maia mudou de posição, sentou-se sem desviar o olhar e as perguntas mudaram. Suspirei profundamente e ela também. Veio um certo alento triste, uma compreensão que parecia, também, vindo de Maia, que dizia: se tirar tudo que não é você, tudo que impuseram a você durante toda sua vida vai restar sua inocência, sua essência, você no original. Encontre sua inocência e reconstrua um novo ser com escolhas diferentes, escolhas suas, somente suas. Aconselhou.

Fechei os olhos por uns instantes (Maia também) e só então pude ver com tanta clareza o quanto do que eu julgava ser eu nada mais era do que lixo acumulado durante algumas décadas. De inicio tentei segurar esse lixo com receio de liberar e perder tudo, ficar sem nada, virar um nada. Abri os olhos Maia já estava me olhando mas, o olhar grave mudou: havia tanta doçura, tanta como nunca vi em nenhum olhar antes. Tanta aceitação como jamais me senti tão aceito. Maia levantou e veio lamber meus pés e, pela primeira vez, permiti por um instante e depois a tomei nos braços, abracei e chorei muito. Foi um momento mágico e muita coisa mudou naquele dia. Quem é você? Quem é que está aqui e agora lendo esta historinha?

Um comentário:

  1. Como é bom ver um ser humano acordado o suficiente para fazer perguntas tão sensíveis!Me tocou o coração!não me espanta que tenha vindo de um animal tal provocação. Nós humanos estamos mais endurecidos e medrosos pra olhar com tanta profundidade e inocência, mas ainda há tempo! Não estamos perdidos!

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